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Gean Ramos

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Dona Zélia: Amor, Flores e Sabedoria

Gean Ramos - Memórias de Vovó Zélia: Amor Incondicional e Sabedoria

Como o momento perfeito e a escrita mais refinada nunca vão chegar, Hannah decidiu compartilhar, com o coração cheio de amor, um pedacinho de sua história favorita.

Esta é a história de Dona Zélia, ou Luiza Maria da Conceição, como preferia ser chamada. Para Hannah, sempre foi vovó.

Dona Zélia teve uma vida humilde. Cresceu na roça, em Conceição, interior de Minas Gerais. Cercada pelos irmãos, ajudava na plantação para garantir o sustento da família.

Bem jovem, casou-se com o avô da Hannah, Djalma. Juntos, tiveram sete filhos — seis homens e uma mulher.

Como sempre quis ter mais meninas na família, quando Hannah nasceu, Dona Zélia sentiu um carinho especial e imediato, talvez como a realização tardia de seu antigo desejo.

Quando criança, Hannah lembra que sua avó vivia no alto de um morro, em frente a uma igreja.

Nessa época, Dona Zélia vestia a neta de anjinho para celebrações religiosas e sempre a esperava na porta, com o terço na mão — sabendo que, sem sua ajuda, ela o esqueceria.

Sua avó misturava força e doçura de um jeito encantador. Com risadas baixas e voz suave, ela cultivava carinho com todos que cruzavam seu caminho.

Dona Zélia adorava sentar na varanda e conversar com quem passava pela rua. Nunca faltava assunto. Falava de tudo, sempre atenta e sem julgamento.

Ela também gostava de cuidar de suas flores, sem intenção de colhê-las, regando todos os dias, até mesmo quando chovia.

Detalhe: com um regador que precisava ser enchido várias vezes. Em suas palavras, “com a mangueira não tinha a mesma graça”.

Nessas aventuras, ela teve alguns tombos, que resultaram em dias de repouso. Mas, assim que possível, Dona Zélia retomava sua rotina.

Ela gostava (nem sempre) de caminhar de manhã, ao seu ritmo. No café da manhã, não podia faltar leite com café e pão de sal. E sempre molhava o pão no café.

À noite, assistia à missa na TV Aparecida, que não perdia por nada. Dona Zélia também gostava de pintar as unhas dos pés. As das mãos ela roía, então dizia que não precisava pintá-las.

Sempre que Hannah chegava, era recebida com um sorriso, queijo e goiabada.

Dona Zélia perguntava várias vezes se ela já havia almoçado. Mesmo quando Hannah respondia que sim, sua avó insistia, desconfiada, e preparava algo para comer.

Ela nunca reclamava. Para ela, tudo estava sempre bom. Vestia vestidos floridos, costurados por ela mesma, e recebia todos de braços abertos e coração aquecido.

Amava a casa cheia, o som das conversas, o calor das pessoas reunidas. Ficava envergonhada ao ganhar presentes, dizendo que não precisava de nada e que “era melhor ter comprado algo para você, minha filha.”

Dona Zélia costurava todos os seus vestidos. Sempre com botão na frente e fita na cintura. Os mais bonitos eram para ir ao médico. Era sempre um evento.

A linguagem de amor da família nunca foi de toques ou palavras afetuosas, mas Hannah se esforçava para romper essa barreira.

Ela fazia questão de abraçar sua avó, apertando sua cabecinha branca contra o peito, e dizia repetidamente que a amava e que ela sempre poderia contar com ela. E sua avó acreditava nisso.

Quando ficou mais velha, Hannah mudou de cidade para estudar. A saudade passou a ser constante. Os abraços se tornaram raros, reservados para férias e feriados.

Nas conversas por vídeo chamada, Dona Zélia sempre dizia que sentia saudades e que estava rezando por ela. Hannah respondia que também estava rezando por ela.

Com essas trocas, Hannah aprendeu lições que não aprenderia em anos de estudo.

Ela aprendeu a perdoar, porque o tempo passa e “fica tudo por aí”. Aprendeu que dinheiro não importa tanto quanto dizem, e que o tempo de qualidade com quem amamos é o bem mais precioso.

Aprendeu a roer as unhas quando ansiosa. E que a melhor combinação do mundo é queijo com goiabada. E a segunda é frango com quiabo e angu.

Dona Zélia também a ensinou a ser mulher e a ser forte. Contava a história de sua vida sofrida com leveza e naturalidade. Não tinha remorso ou revolta por nada que havia passado.

Ela apenas vivia a realidade, como ela se apresentava. Sempre fez por todos sem esperar nada em troca, assim como cuidava de suas flores.

Com o passar dos anos, mesmo nos momentos de pouca lucidez, Dona Zélia sempre encontrava uma maneira de se comunicar com Hannah. Nem sempre lembrava seu nome, mas sabia que era ela.

Seu bem mais significativo, ela deu de presente para sua neta: sua máquina de costura. Hannah prometeu que aprenderia a costurar para usá-la.

Infelizmente, sua avó não conseguiu ensinar a tempo. Ela se despediu no dia 05/07, aniversário de Hannah.

Quando a saudade aperta, ela escuta “Pietá”, de Milton Nascimento, e canta em voz alta: “guardo teu olhar comigo; tenho teu manto abrigo; vem me amparar, vem me trazer; a voz que pode me socorrer”.

Foi — e ainda é — difícil aceitar a perda, mas Hannah é profundamente grata pela oportunidade de viver e experimentar sensações que só a sua avó poderia proporcionar.

Ainda bem que, tão jovem, ela aprendeu a importância e o poder de uma boa conversa. Sempre esteve atenta às histórias e inquietações de sua avó, que a ensinaram muito.

Ficou curioso pra conhecer a Hannah e a Dona Zélia?