O melhor presente
Em uma manhã fria de domingo, os pais da Bruna chegaram em casa com uma surpresa. Ela viu uma sacola cheia de brinquedos, mas logo entendeu que a novidade não era essa.
Encarando o embrulho, eles lhe disseram que aquele era um presente da Bia e que a casa tinha ficado mais cheia.
Bruna olhou pra sua mãe e no lugar da barriga enorme que ela ganhara nos últimos meses, estava a Beatriz: uma pequena criatura, com olhos doces e curiosos.
- Como dizia Hemingway_, de todos os presentes da natureza para a raça humana, o que é mais doce para o homem do que as crianças?_
A Bruna não tinha nem 3 anos, mas aprendeu a cuidar da Bia igual gente grande. Ela trocava suas fraldas, dava bronca e escolhia seus vestidos como se estivesse brincando de boneca.
Os anos foram passando, elas foram crescendo e, como não poderia deixar de ser, vieram as brigas.
- Seus pais tentaram de tudo para melhorar a situação: cortaram televisão, chocolate e até viagem pro sítio.
Nenhum castigo funcionou, até que eles proibiram as duas de conversar. Nessa tentativa despretensiosa, acabaram acertando em cheio: elas não conseguiram ficar longe uma da outra.
Depois do susto, a Bruna descobriu que aquela manhã fria de domingo tinha sido seu dia de sorte — junto com o embrulho de brinquedos, ganhou não só uma irmã, mas sua melhor amiga.
Assim, elas atravessaram a adolescência juntas. Compartilharam as notas do colégio, o primeiro beijo, as turmas de amigos e todas as delícias e dificuldades de encontrarem seu lugar no mundo.
- Porém, quando chegou a hora de fazer vestibular… Elas se separaram.
A Bruna foi pra Minas Gerais e a Bia, pra Santa Catarina. Com dois estados de distância, a presença física ficou um pouco mais difícil, mas o vínculo e a sintonia permaneceram.
Perto ou longe, elas reviram os olhos nas mesmas situações. Choram de raiva e dão gargalhada com a mesma intensidade e não precisam falar nada pra se entenderem: um olhar basta.
- Por essas e outras, as duas dizem que são almas gêmeas, mas estão longe de serem iguais. Aliás, é na desarmonia que elas se complementam.
Enquanto a Bruna chega no aeroporto com 3h de antecedência, a Bia perde o voo, conhece alguém e muda o destino — afinal, como tem tatuado, “la vida es el arte del encuentro”.
No carro da Bia, você encontra tudo: skate, barraca e roupa de surf. Segundo a Bruna, o porta-malas cheio não é excesso de preparação, mas uma demonstração de coragem: se der vontade, ela só vai.
- Algumas pessoas não sabem o que é depositar a felicidade em alguém, mas, para a Bruna, é simples: quando a Bia está feliz, ela fica feliz também.
Hoje, nessa manhã fria de domingo, faz 24 anos que a Bia chegou. Em cidades diferentes, nem sempre dá pra comemorar junto, mas elas aprenderam que isso pouco importa: a distância não deixa longe o que está dentro.
Contar essa história foi o jeito que a Bruna encontrou de agradecer a Bia por ter sido o melhor presente que ela já ganhou, e por nunca deixá-la esquecer da criança que ainda existe nela.
Quem nasceu com a mesma sorte, sabe que se por acaso perder o rumo, é fácil voltar para o eixo: ter um irmão é ter sua essência guardada em outro coração.