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Gean Ramos

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O Amor que Surgiu no Último Abraço

As razões que o amor desconhece

As razões que o amor desconhece

A relação da Kaísa com o seu pai, Martins, sempre foi meio protocolar. Ele era muito focado no trabalho, viajava bastante, e se preocupava em manter a casa em ordem.

  • Martins não dava “tchau” antes de viajar. Saía de madrugada, e a Kaísa só descobria que ele tinha ido embora quando dava falta dele.

Abraço era só no aniversário e no Natal. “Eu te amo” ela nunca tinha ouvido. Como já dizia a autora Giovana Madalosso, “era como se o amor fosse uma coisa delicada demais pra nós.”

Viveram assim a vida toda, até que, em março de 2022, chegou uma notícia que ninguém esperava: Martins estava com câncer.

E olha que ele sempre viveu preocupado com a saúde. Do tipo que evita açúcar e prefere plantar em casa pra não consumir agrotóxico. Mas a vida tem dessas ironias, né?

  • Às vezes, o DNA é implacável. O avô da Kaísa, pai do Martins, também teve câncer. A família já tinha esse receio.

Quando descobriu que alguma coisa estava errada, ele começou a tratar algo que era “só” um aumento benigno de próstata, mas já era um câncer avançado.

A falta de diagnóstico precoce trouxe a notícia como “não há nada pra ser feito”. Mas a verdade é que tinha, sim, muito a ser feito. Tipo viver.

Viver mesmo e não só estar no mundo pensando em trabalho e boletos pra pagar. Viver mesmo, e não apenas sobreviver deixando a vida passar.

Tipo cantar. Porque Martins sempre foi uma pessoa ligada à música. Fazia parte das memórias de infância da Kaísa ver o seu pai tocando violão e organizando os discos guardados na estante.

  • Mas ele nunca se permitiu viver o sonho de cantar, porque colocava as obrigações em primeiro lugar.

Cantar era uma daquelas coisas que ficariam pra depois. A vida adulta não permitia isso. Com uma família pra sustentar, seguir o que te faz feliz parece irresponsabilidade.

Mas ali, naquele momento, quando soube que não teria tanto tempo assim pra viver, a prioridade poderia ser cantar. E ele cantou muito.

Buscou auxílio profissional com aulas semanais, entrou para o coral da igreja, fez inúmeras apresentações. Subiu ao palco pela primeira vez, mesmo nervoso e envergonhado.

  • E o mais curioso é que esse movimento também afetou a Kaísa, que sempre foi introspectiva — bem parecida com seu pai.

Depois de vê-lo subir ao palco, mesmo com medo, ela viu que também precisava ter coragem. Conseguiu aceitar um convite para palestrar, algo que sempre negava por não se sentir preparada.

É contraditório pensar que o câncer veio pra trazer vida. Mas aquela pessoa que não dava importância pro afeto, passou a abraçar sempre.

A Kaísa ouviu seu pai dizer “eu te amo” até pra moça que ia limpar o quarto do hospital. Citando novamente a Giovana Madalosso, “se a fome vem ao comer, talvez o amor também venha ao amar.”

Parecia que era a peça que faltava para eternizar as memórias do seu pai. Através do “jogo”, eles conseguiram ir de lágrimas de emoção a risadas de doer a barriga, se conhecendo em camadas até então inexploradas.

Martins desencarnou no último dia 28, de uma forma linda e curadora. Segurando a mão dos familiares, com a imagem de Nossa Senhora da Abadia, a quem ele era devoto, ouvindo uma gravação da sua própria voz cantando: “nada me perturbe, nada me amedronte, tudo passa, a paciência tudo alcança”.

A Kaísa acompanhou a sua última respiração, e conseguiu dizer “adeus” e desejar uma boa viagem.

Aqui ficam as memórias que eles construíram juntos, e a certeza de que a vida continua em cada árvore que ele plantou, nas amizades que fez com pessoas e passarinhos, nas risadas e histórias.

A Kaísa espera que o seu pai esteja bem. Ela espera que ele seja bem cuidado, que sua morada seja florida, regada de amor e de luz, de boas conversas, abraços e música. “Eu te amo, pai.”