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Gean Ramos

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Estante da vida

Estante da vida

O amor que a gente não vive fica como um bibelô na estante da vida. Intocável, precioso, congelado no tempo e evocando boas memórias.

É ingrato o fim de algo que nem direito começou. É mais fácil superar algo que se viveu, se sentiu, se cansou, se brigou, se complicou, enroscou e desenroscou.

A história de amor de hoje é exatamente sobre isso: um amor em que os personagens viveram apenas os primeiros minutos do longa, deixando todas as outras cenas a serem gravadas.

Na vida real, os protagonistas desse encontro se chamam Isabela e Diego. Segundo ele, a “trombada” foi obra do destino brincalhão. Segundo ela, a decisão de permanecer foi consciente.

  • Trabalhavam na mesma empresa, mas nunca tinham conversado. Até que, por uma coincidência qualquer, acabaram na mesma mesa do self-service perto da firma.

Almoçaram. Tomaram café. Voltaram ao trabalho e seguiram algumas semanas assim, até que Isabela enviou um e-mail para um grupo em que Diego estava.

Pegando um comentário dela da semana anterior, ele mandou uma mensagem interna dizendo que gostaria de chegar em um cargo em que pudesse misturar inglês e português sem ser julgado.

Conversaram. Riram. Trocaram telefones. E, de lá para frente, durante um ano inteiro, o assunto nunca acabou. Nem os almoços. E nem os cafés.

Dialogaram sobre tudo que fazia cada um único. Se surpreenderam sobre como suas estranhices combinavam e pela forma acolhedora que conseguiam ser “casa” um do outro.

  • Dividiram visão de vida, futuro, teorias malucas sobre o fim do mundo, desconfortos, neuras e piadas internas.

Acompanharam grandes e pequenos acontecimentos da vida um do outro. Trocaram dicas de filmes, livros, músicas, restaurantes e até alguns perfis legais pra seguir no Instagram.

Nesse meio tempo, Diego alugou um apartamento. Na entrega das chaves, Isabela deixou a seguinte mensagem pendurada no interfone: “welcome to the real world, it sucks… You gonna love it”. “bem-vindo ao mundo real, é uma merda… Você vai adorar”.

Ela também estava lá em cada pequena grande mudança. Em cada desabafo e nos inícios e fins de todos os relacionamentos do Diego.

Até o dia em que perceberam que o relacionamento dos dois tinha que acabar para que o Diego se sentisse livre pra encontrar uma companheira. E a Isabela pudesse viver plenamente com o seu companheiro.

  • No relato dele, todas as mulheres que apareciam em sua vida eram medidas usando a Isabela de modelo — e isso não era justo.

Nas palavras dela, admitir que o afeto que existia entre os dois passava do nível de amizade era algo que ambos não queriam. Mas se fez necessário.

Em um sábado frio, sentaram frente a frente com um drink na mão — coisa que a Isabela começou a gostar por ele — e combinaram o fim de algo que nem sequer começou, mas parecia que sim.

Combinaram o ponto final de uma relação que fez ambos expandirem e florescerem durante um ano completo.

Combinaram o fim das conversas, dos almoços, dos cafés, dos drinks, das piadas internas, do “vi esse artigo e lembrei de você”, dos “já leu esse livro?”, das discussões filosóficas, das trocas de conselhos e dos olhares de admiração.

Falando desse ponto final, a Isabela repete: o amor que a gente não vive fica como um bibelô na estante da vida. Intocável, precioso, congelado no tempo e evocando boas memórias.

O fim não apaga o começo e o meio, que ficaram preciosamente acomodados na estante da sua vida. Um bibelô que apenas ela entende tamanho significado.