Além das primeiras vezes
Já senti muita inveja dos começos. E lastimava que as coisas boas não iriam ser inéditas de novo.
Até adiava finalizar a leitura de um livro querido porque seria a primeira vez que o terminaria, como canta Djavan “um doce descascado pra mim, eu guardo pro fim, pra comer demorado”.
Adiava expressar meus sentimentos para ter o gosto por mais tempo de dizer pela primeira vez um “eu te amo”. E quando um primeiro beijo tão esperado acontecia quase me entristecia de pensar que, ali enquanto o vivia, já o perdia.
Talvez por isso me doía tanto ver seus outros começos e primeiras vezes com outras pessoas, pensava que o que acontecia ali seria superior ao que aconteceria comigo, repetido.
Esquecia que, também ali, essas primeiras vezes não seriam para sempre as primeiras, que passariam e se transformariam como as demais.
Agora sei que não preciso comparar nem escolher entre gostar das primeiras ou das últimas coisas, nem preciso menosprezar as que ocorrem no enquanto, no ainda, no percurso.
De certa forma todas as coisas acontecem sempre pela primeira vez porque nada é idêntico, então posso dizer que estamos nos primeiros dias, nos primeiros anos, nas primeiras décadas ou primeiros minutos.
Que alegria pode ser tomar café contigo pela centésima vez, te abraçar pela milésima. Como canta Caetano “quando uma hora é grande e bonita assim quer se multiplicar”.
_Nem tudo deve ser descartado e o antigo não deve ser superior nem inferior ao “novo”, são matizes de uma mesma cor. _
João Cabral de Melo Neto diz: “(…) de sua formosura, deixai-me que diga, é belo como o caderno novo quando a gente o principia”.
E complemento, também tem sua formosura um caderno quando a gente o finaliza.